Apesquisa “Trabalhador do Turismo e a Covid-19 no Rio Grande do Norte” organizada por pesquisadores da UFRN teve o objetivo de identificar os impactos da pandemia da Covid-19 junto aos trabalhadores do turismo no Rio Grande do Norte em atividades formais e informais. O ramo de atividade do turismo é um dos mais importantes para a economia regional em função da quantidade de pessoas que dele vivem. O setor de Comércio, Serviços e Turismo é responsável, segundo o Sistema Fecomércio, por cerca de 65% do PIB do Estado.
A pesquisa foi realizada através de coleta de dados com um questionário[1] que circulou via redes sociais e WhatsApp entre os dias 14 a 22 de julho de 2020 e o público-alvo foram os trabalhadores e as trabalhadoras que exerciam alguma atividade no setor de turismo no RN antes da pandemia da Covid-19. Por se tratar de um grupo específico e relativamente oculto, na medida em que não se tem uma listagem (rol) de todos os trabalhadores do Turismo no RN com cadastro atualizado que permitiria selecioná-los aleatoriamente, a metodologia de seleção adotada foi a técnica não probabilística de bola de neve (snowball sampling), onde um respondente(a) indica o(a) outro(a) (VINUTO, 2014).
Os primeiros respondentes foram pessoas-chave que tinham contatos de outros trabalhadores do turismo no RN, foram eles: uma ex recepcionista bilíngue de hotel, atualmente artesã; um bugueiro, que tinha contatos de bugueiros, balseiros e barraqueiros em Maxaranguape e Tibau; o presidente do sindicato dos bugueiros, que enviou o formulário online para a categoria; uma turismóloga e ex trabalhadora de agência de turismo e, uma guia de turismo. Cabe a ressalva que devido a metodologia não utilizar a técnica de amostragem aleatória, a pesquisa é representativa apenas dos respondentes. Contudo, seus resultados fazem uma aproximação importante sobre a vida dos trabalhadores do turismo no RN durante a pandemia da Covid-19, sobretudo por se tratar de informações inéditas para o contexto regional.
Participaram da pesquisa 209 trabalhadores e trabalhadoras do turismo, sendo 72% homens e 28% mulheres. A maioria atuava nas cidades de Natal, Extremoz e Tibau do Sul antes da pandemia da Covid-19. Do total de respondentes, 24,9% se declararam trabalhadores formais (com carteira assinada), 42,1% se declararam trabalhadores por conta própria (sem carteira assinada) e, 33% declararam ser trabalhadores por conta própria, mas que pagam contribuição previdenciária (MEI, outros)[2].
Os resultados indicam que houve queda drástica e abrupta de renda entre os trabalhadores do turismo. De acordo com o Gráfico 1, antes da pandemia, considerando o total dos trabalhadores respondentes, apenas 0,6% não tinham nenhuma renda e, com a chegada da pandemia, tomando como referência o mês de junho, esse percentual passou para 48,8%, ou seja, quase a metade dos trabalhadores entrevistados ficaram sem renda. Antes da pandemia, 52,6% desses trabalhadores ganhavam de meio até dois salários mínimos, praticamente o mesmo contingente que ficou sem renda no mês da pesquisa. Outro dado impactante pode ser observado na faixa dos trabalhadores que ganhavam de dois a cinco salários mínimos: antes da pandemia, 36,4% dos trabalhadores se enquadravam nesta faixa salarial, durante a pandemia, apenas 6,2% de trabalhadores conseguiram manter este rendimento durante a pandemia.
O impacto maior ficou entre os trabalhadores informais, pois 57,3% ficaram sem nenhuma renda (Gráfico 1). O dado é alarmante quando comparado com o percentual anterior a pandemia, no qual menos de 1% não detinha renda mensal. A chegada da pandemia também impactou a renda dos trabalhadores com carteira assinada. Se anteriormente 78,9% ganhavam acima de 1 salário mínimo, esse contingente se reduziu a 32,7%. Além disso, 23,1% dos formais declararam não ter nenhuma renda, durante a pandemia. Perspectiva alinhada com os resultados da Pnad-Covid analisadas anteriormente no ONAS que destacou que no RN 56% dos trabalhadores afastados do trabalho não estavam recebendo salários.
De acordo com o Gráfico 2, os homens informais eram os que apresentavam maiores rendimentos antes da pandemia, 52,6% recebiam acima de 2 salários mínimos. Em segundo lugar, estavam as mulheres formalizadas, com 38,2% delas recebendo acima de 2 salários mínimos. Durante a pandemia, é evidente a drástica redução da renda para todos, principalmente para homens e mulheres informais. As mulheres informais são as que apresentam a maior proporção de trabalhadoras sem nenhuma renda, seguidas pelos homens informais, durante a pandemia. Entre os formais, a frequência de nenhuma renda também foi ligeiramente maior para as mulheres, durante a pandemia. Contudo, as diferenças entre os sexos são pequenas, evidenciando que o vínculo empregatício tem um efeito maior sobre a renda dos respondentes.
O Gráfico 3 revela ainda mais a dramaticidade do impacto da pandemia na vida dos trabalhadores e trabalhadoras do turismo que responderam à pesquisa: dos 102 respondentes que disseram não ter tido renda advinda do trabalho, 67,2% são responsáveis por dois ou mais dependentes. Portanto, são famílias com 3 ou mais pessoas sem nenhuma renda advinda do trabalho.
O contexto da pandemia trouxe a redução da renda como uma nova realidade no mundo do trabalho. E para setor do turismo o impacto foi bastante significativo, pois é premente que haja deslocamentos e viagens, para que os trabalhadores possam exercer suas atividades relacionadas ao recebimento e atendimento dos turistas e a pandemia afetou consideravelmente os deslocamentos, devido a exigência do distanciamento social. Se não há viagens e, portanto, deslocamentos, não há turistas. E se não há turistas, hotéis, pousadas, restaurantes, bares e lanchonetes, shoppings de artesanato, entre outros deixam de prestar seus serviços. Se não há turistas, os trabalhadores de sol e mar, camelôs, barraqueiros, balseiros, bugueiros, para citar alguns, passam a depender, para viabilizar o seu trabalho, exclusivamente dos moradores da localidade ou do entorno, que no mês de junho (base da pesquisa), auge da pandemia no RN, estavam em isolamento social, associado aos decretos estadual e municipais. Demissões, flexibilização do contrato de trabalho (formais), redução da jornada de trabalho (formais e informais), ocasionada pela diminuição de público a ser atendido (informais), foram as principais consequências econômicas da Covid-19 para os trabalhadores do setor de turismo no RN.
Diante da nova realidade imposta pela pandemia da Covid-19 aos trabalhadores brasileiros, o congresso aprovou o auxílio emergencial, destinado aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, cujo valor é de R$600,00 reais por pessoa e pode chegar a R$1800, por família, dependendo dos critérios de elegibilidades. O objetivo é fornecer proteção emergencial no período de enfrentamento à crise causada pela pandemia da Covid-19. Entre os trabalhadores informais respondentes, público alvo do auxílio, o mesmo foi acessado por 64,3%, ou seja, dos 157 entrevistados, 101 acessaram o auxílio (Figura 1). Importante destacar que 11 (7%) tentaram, mas não conseguiram e 3 (1,9%) estão com pedido em análise. A maioria absoluta, como atestam os dados anteriores, ao ficarem impedidos de exercerem a sua atividade e, consequentemente, encontrarem-se sem renda, tiveram nesse auxílio, um amparo para a subsistência. Como a coleta de dados foi realizada em meados de julho, e o pagamento do auxílio iniciou-se em abril, metade (50,5%) dos trabalhadores informais já tinha recebido mais de 02 parcelas, enquanto 31,7% haviam recebido duas parcelas e 18% apenas uma parcela (Figura 1).
Esse contexto não traz boas expectativas sobre o futuro do turismo no RN para os respondentes da pesquisa. De acordo com as respostas à pergunta “Você acha que o turismo no RN voltará a ser como antes?”, 33,5% opinaram que não têm ideia; 34,4% que irá piorar; 21,5% que irá melhorar e 10,5% que será como antes. Portanto, se consideramos as repostas dos que afirmaram que não tem ideia e dos que afirmaram que irá piorar, percebe-se certo pessimismo com o cenário futuro do turismo no RN.
De fato, ainda não há uma vacina para a Covid-19 e os deslocamentos provavelmente continuarão sendo evitados pelos turistas. Consequentemente, o setor de turismo deve retomar de forma mais lenta na economia brasileira, se comparado aos outros setores, como a indústria, por exemplo. Por isso, os trabalhadores do turismo vão depender dos auxílios emergenciais por períodos mais longos e o Estado precisa ampará-los com condições mínimas de subsistência.
Acesse o relatório completo no link do projeto “Trabalhadores do Turismo e a Covid-19 no Rio Grande do Norte“.
Cesar Sanson – Cientista Social, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Luana Junqueira Dias Myrrha – Demógrafa, professora do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Moema Hofstaetter – Mestre em Estudos Urbanos e Regionais, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Turismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Fonte: Demografia UFRN