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ARTIGO: O futuro da economia: como será o turismo após a pandemia

Fortemente afetado pela pandemia, com uma queda em abril de 54,5% frente a março, o turismo não precisará somente se recuperar quando as atividades “normalizarem”. O setor precisará se reinventar. O indicador de desempenho é do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado nesta semana — a maior retração da série histórica desde 2011.

O novo jeito de fazer turismo já é observado em países onde começa a haver uma abertura: viagens curtas, dentro da própria cidade ou em municípios vizinhos. Com o receio de contágio, a tendência é de que destinos internacionais fiquem de fora dos roteiros dos viajantes em um primeiro momento. 

A tendência de um turismo interno aquecido quando for possível viajar deve, porém, levar em conta algumas questões importantes. O secretário de Turismo do Estado de São Paulo e ex-ministro do Turismo, Vinicius Lummertz, acredita, por exemplo, que para que a cadeia opere, será preciso baixar os custos de intermediação. Se hotéis e restaurantes terão menor rentabilidade, é natural que as agências de viagem baixem suas comissões. 

— Todos vão ter que ganhar menos quando o produto for um produto de retomada de massa. Quando se tratar de produto de luxo ou produtos mais caros, nós teremos uma outra oportunidade, que é da lógica da substituição de importações, ou seja, aquelas pessoas que viajariam para outros países procurarão alternativas no Brasil porque o dólar vai estar mais caro, as viagens ficarão mais complexas, nós não sabemos exatamente como ficarão esses padrões de viagens do futuro — acrescenta. 

Para a presidente da Associação Brasileira de Turismólogos e Profissionais do Turismo, Lenora Horn Schneider, o novo cenário exigirá conhecimento e criatividade para a criação de novas políticas para o setor :

— Nós temos que buscar uma nova visão juntamente com a iniciativa privada, que são os grandes investidores e que estão sendo afetados também nos seus negócios. Temos que buscar esse novo olhar para que a gente possa organizar melhor a atividade. 

CRIATIVIDADE
“Esse é um momento que temos que repensar tudo. Os eventos de uma forma não presencial, como estão acontecendo… as pessoas estão fazendo, inaugurando, estão acontecendo, de forma virtual. E a criatividade tem nos dado bastante ensinamentos. Agora aconteceu no Amapá o Brasil Sabor, que é um evento da área gastronômica, onde os empresários ofereceram os pratos por um valor simbólico que eram levados ao consumidor por delivery.”

TURISMO INTERNO
“O consumidor já era muito exigente, ele busca qualidade, segurança e vai agora buscar destinos mais próximos. Acreditamos que o turismo doméstico vai se organizar para isso. O turismo rodoviário, com certeza, volta com toda a sua potência, tanto de ônibus quanto de carro. As pessoas de carro farão distâncias de até três horas, que dá para fazer no mesmo dia.”

TURISMO DE NATUREZA
“As pessoas vão buscar onde não tem muita aglomeração. Acreditamos que aí entra o segmento do turismo rural. Ele vem de forma mais forte, com um apelo, um atrativo para o consumidor. Inclusive, a Organização Mundial de Turismo fala dessa capacidade de atrair, de motivar as pessoas para o meio rural, junto à natureza. Turismo de aventura também vem porque tem um monitoramento por parte do guiamento que, normalmente, está em torno de 15 pessoas. A gente vê que há um novo olhar por parte do consumidor.”

CORPORATIVO
“Não quero dizer que não vai ocorrer o turismo corporativo. As empresas, os eventos acontecem. E aí entra um novo formato. As empresas precisam desse relacionamento, o comércio e a indústria precisam. Eventos técnico-científicos vão acontecer presencialmente, mas em um novo formato. A tendência é ter eventos mistos, tanto virtuais quanto presenciais. Presencialmente, não vão ser aqueles grandes eventos com mais de 1 mil pessoas. Não. Acredito que serão eventos de pequeno porte, com as pessoas divididas em salas.”

CUIDADOS
“Todas as entidades já estão tomando as medidas e se preparando para essa nova forma de fazer o turismo acontecer. Estamos cada vez mais voltados para a questão do meio ambiente, porque nós, turismólogos, somos profissionais de interesse público que cuidam dessa questão da saúde. Qualquer acontecimento sanitário ou biológico vai afetar nossa área. A gente tem que saber sobre essas questões para evitar o fluxo de turismo por determinado período enquanto acontecer a crise sanitária. A gente cuida do patrimônio cultural.”

PROJETOS
“Vamos pensar em projetos para desenvolver cada vez mais essas atividades de forma segura. Por exemplo, nossos parques nacionais: têm que saber o impacto que causa o número de pessoas. Num estacionamento, a gente vai ter que ter controle da venda de bilhetes. É como acontece em Fernando de Noronha. Acho que é um exemplo que afeta positivamente a cidade devido aos cuidados, às normas estabelecidas, para não impactar as pessoas. Veja o que acontece lá, todos vivem do turismo. Esse turismo de massa que a gente tanto fala a gente vê que passa por um novo turismo, bem diferente.”

RETOMADA
“Acreditamos que em 2021 vamos lentamente reassumindo as atividades com todos os cuidados. A gente está sendo impactado diretamente e acreditamos que este ano (2020) é um ano que praticamente passou. O agenciamento está difícil porque a gente não tem a segurança que a operadora vai estar apta a receber e fazer no ano que vem, porque realmente é uma incerteza. Muitos setores nossos exigem o contato físico, e nada supera o contato físico da experiência da atividade turística.”

NOVO TURISMO
“Estamos preocupados, mas somos muito criativos e vamos buscar formas de contornar essa situação através de contato virtual. 2020 é para isso, para a gente fazer um diagnóstico e partir para 2021 de uma forma muito real, dessa nova realidade. O novo turismo vai contemplar essas questões: basicamente turismo doméstico e rodoviário. A gente sente que os hotéis hoje estão pensando em buscar outras alternativas até com a ocupação dos apartamentos para outras práticas, não só para o pernoite, mas para atividades como home office, atividades recreativas, pedagógicas. As unidades habitacionais vão se transformar, talvez, até em negócio de sala de aula. A gente está pensando em tudo isso.”

RETOMADA
“A retomada aos patamares anteriores pode levar de dois a três anos. Isso se tivermos uma boa equação daqui a dois, três meses de uma volta ao chamado normal. A abertura no Brasil depende dos vários Estados e dos diferentes momentos. O novo normal será uma fase intermediária para um normal mais perene lá na frente. Inegavelmente, o impacto é muito grande e não é só no turismo de lazer. É no turismo de negócios, turismo ligado a eventos, a shows, a cultura.”

COMO SERÁ
“Vai haver uma adaptação. Nós vimos em outros momentos da história, como o 11 de Setembro, adaptações. A partir do 11 de Setembro, entraram no ar medidas de segurança dos voos, com Raio X, com todas essas precauções no mundo inteiro. Estranhamos no início, mas nos adaptamos. No Oriente, eles já vêm usando máscara, fazendo processos de higienização mais frequente, com uma certa política de afastamento social. O que vamos ver daqui para frente é um turismo com essas medidas de afastamento social, de precauções, de utilização de máscaras, com protocolo de operação de restaurantes com distanciamento nas mesas, hotéis com utilização menor do que sua capacidade. Esse processo não é definitivo, poderá ser acelerado ou desacelerado, dependendo das circunstâncias da contaminação do vírus. No final das contas, a crise vai ficar atenuada com a aparição de remédios e finalmente debelada com o aparecimento de vacinas. Até lá vai ser gestão de distensão e retorno. Nós vamos ter que nos acostumar a isso.”

TURISMO DE NEGÓCIOS
“Há uma mudança comportamental e cultural e o entendimento de que muitas reuniões poderão ser feitas de maneira virtual. No entanto, a confiança nos negócios tem muito a ver com interpessoal e terá ainda. Por mais que você possa fazer uma feira virtual de calçados, por exemplo, tocar no produto, provar dá muito mais confiança. No caso de São Paulo, a grande tendência de retomada do turismo vai ser justamente no turismo de negócios porque é necessário. As pessoas precisam se encontrar, travar negociações gerando nível de empatia e segurança. A cultura de relacionamento humano volta. Volta diferente e vai haver durante um período um impacto, sim, nessas expectativas. Com o crescimento da economia, se observa também que esse conjunto de efeitos da digitalização poderá aumentar a produtividade da economia e ajudar a economia a se desenvolver, porque você diminui custos. As adaptações, a criatividade, a resiliência vão se apresentar, porque as pessoas ainda querem conversar, ver os produtos, tocar, almoçar juntas. Negociar é uma coisa muito humana. Desde o início da criação das cidades que as pessoas precisam se encontrar e elas voltarão a se encontrar.”

OPORTUNIDADES
“As viagens ficarão mais complexas, não sabemos exatamente como ficarão esses padrões. Hoje estão sendo testadas pulseiras, e muitas vezes elas poderão ensejar o risco da quarentena na chegada (do país) por alguma razão. Isso pode inscrever a oportunidade de melhorar a oferta de produtos internamente no Brasil, como resorts e desenvolvimento do turismo junto à natureza nos parques naturais. O Brasil ainda tem pouco desenvolvimento nessa área, tem muita burocracia e preconceito da área ambiental. EUA tem 320 milhões de visitantes em parques, o Brasil tem 12 milhões. Esse turismo é de grande oportunidade. Também nesses parques deveríamos observar mais equipamentos como Foz do Iguaçu, que tem concessão de serviços. Outra área que deverá se desenvolver no Brasil, atendendo à lógica do mercado interno, é de parques temáticos e atrações. O Brasil é um dos maiores consumidores de parques temáticos da Flórida, e nós podemos desenvolver essa tecnologia aqui como fizeram os chineses, os franceses que têm Disneys. O RS tem muito potencial nessa área também. Outros ambientes de investimentos no Brasil precisam sofrer reformas porque, se quisermos desenvolver um turismo interno forte, precisamos desburocratizar a instalação de resorts e marinas, por exemplo. No Brasil, o tempo para projeto de execução de uma marina ou resort é mais de 10 anos, com risco de, no final, haver insegurança jurídica, e isso tudo desmobiliza não só o capital interno, mas externo em relação ao Brasil. Aí encaixo também a necessidade de tirarmos os preconceitos para liberação de resorts integrados com cassinos. A capacidade de recepção de investimento do Brasil é de em torno de R$ 60 bilhões. Tudo isso deverá se transformar em prioridade, e nós teremos um ganho com isso. Temos que modernizar o Brasil e permitirmos uma certa liberdade para o turismo se desenvolver. O turismo é amigo da natureza.”

Fonte: Pioneiro